Liberdade Superficial

"Desde que mundo é mundo se luta pela liberdade, mas ela é sempre destinada à classe que detém poder e riqueza. A liberdade definida pelos de cima só pode ser superficial".

Falarei do que pensei e senti depois de uma conversa com uma garota bem jovem que, assim como eu, se coloca como um livro aberto.

Vou abrir nosso livreto em uma página:

Eu fumava cerca de 15 cigarros por dia, quando bebia minhas 6 garrafas de cerveja, poderia fumar 30 em uma noite. Quando alguém falava qualquer coisa sobre isso, gargalhava e prontamente respondia: mas eu não sou livre para fazer o que quiser? Posso escolher do que morrer. Continuo gargalhando quando me desafiam,  não brinco mais com a ideia de ser livre e a Souza Cruz perdeu uma cliente desejável.



Liberdade, Vida, Internet:

Depois do celular, o empregado continua disponível para o empregador mesmo depois de sair do trabalho. Meu patrão já me pediu para ir trabalhar na folga assim. Disponível sempre. Celular na mão virou um tic: encontro pessoas amigas que não largam o celular (conectado às redes coloridas) para nada. Você está preso. Sempre tem uma foto que é postada durante um encontro, como se a intenção fosse mostrar que está vivendo e não viver o encontro. 


Liberdade sexual?


Estava conversando com uma companheira que tinha um relacionamento amoroso aparentemente feliz. O casal gostava de publicar fotos abraçados, cheios de declarações. Não demorou muito e acabou tudo. Postaram novas fotos, sensualizando seus corpos e se recolocaram disponíveis no mercado de relacionamentos. Ela me disse que para superar um amor, nada como outro em seguida. Não sei ainda o que acho sobre isso. Mas o que será que estamos aprendendo com a ideia da fila anda? Queremos ter relações na vida como num atendimento ao caixa? Bom, todo mundo é livre para exercer sua sexualidade como bem entender...

Liberdade completaMente Solta:


Às vezes a gente se comporta na vida real ou na rede social, de acordo com o que esperam que sejamos. O ideal da mulher com um adjetivo do lado. Atualmente, na minha rede de pessoas próximas, o ideal da mulher vem ao lado de livre. Mas já fiz parte de outros grupos: que valorizam a moça estudiosa, a moça que trabalha muito, a moça sempre alegre... Sou todas elas e nenhuma me resume. E pensando na conversa com esta amiga que terminou o relacionamento:

Sejam quem quiserem ser. Quer postar foto sensual? que seja porque se ama, não porque quer que te desejem, ou para o ex-boy ver. Não precisam ser sempre sexy. Não precisam provar nada para ninguém. Não precisam ser sempre críticas. Não precisam ser sempre nada. Sejam tudo que a vida ensinou a vocês e muito mais. As pessoas que te amam estão ao seu lado, não curtindo a foto de tudo que você faz.

Não precisamos de nenhuma rede para nos sentirmos queridas. Precisamos nos encontrar.

Gosto da ideia de liberdade como "seguir sem medo de errar e encarar a responsabilidade quando dá merda, saber se defender e enfrentar o que for preciso para buscar sua mais plena independência". Se esconder atrás de imagens do mundo espetacular é inverso disso, é estar presa. Acredito que a verdadeira liberdade vem acompanhada de muita força e é mais difícil ter força sozinha. Essa força a gente pode construir juntas, compartilhando nossas experiências e buscando formas de superar desde sentimentos que não nos fazem bem, como carência e ciúmes, até pensar novas formas de organização do trabalho para a gente chegar numa verdadeira emancipação.


Bom, se alguém acredita que as relações devem ser encaradas numa grande fila, esta é uma liberdade e liberdade é para ser exercida. Mas eu proponho uma reflexão: hoje estamos muito ocupadas cumprindo tarefas, trabalhando, estudando e preocupadas em como será amanhã e o amanhã. Poderíamos fazer tantas coisas juntas, inventar histórias, lugares e comportamentos, sair da rede e cair no mundo, em nossas vidas e dentro de nós mesmas. 

Emma Goldman: "A emancipação, compreendida pela maioria dos seus aderentes e expoentes, é estreita demais para permitir o amor sem fronteiras e o êxtase contido na profunda emoção da verdadeira mulher, namorada, mãe, em liberdade."

Rede social e a falta de liberdade:

Esta rede social azul não é propícia para grupos se articularem fora dela, ela é a própria interação. Estamos tão fartas de trabalho e demanda em nosso dia-a-dia que esta rede azul é o escape, é o elo entre as pessoas, é de onde se tira os assuntos  e como se remedia a falta de tempo na vida real. 
Mas não estamos nos distraindo de nosso cotidiano de regime de trabalho intenso? o meme não é o escape para rir da nossa desgraça?  Veja bem, todo mundo é livre para dividir seu tempo da forma que achar conveniente...

Que vida temos no entorno do trabalho?  Entrei na rede social azul e tenho muitas perguntas sobre o comportamento da maioria das pessoas e como isso pode ter me influenciado a escrever hoje.



Fotos em festas, comidas, banhos, e tudo mais de um cotidiano particular compartilhado, são relacionamentos cheios de corações, beijos, abraços e pós-sexo. Opiniões que só os seguidores vão ler. As relações são "medidas" pelo número de curtidas: quem estará acompanhando minha vida?



Todo mundo é livre para se expressar como quiser, mas quando uma pessoa compartilha tudo que faz e pensa numa rede virtual seria um sinal de que sua vida real está sem tempo, sem afeto, sem satisfação?  
Esta é a sensação que me dá. Mas o meu ponto de interesse aqui é: o que está nos motivando fazer isso? 

Liberdade e felicidade:


No mundo em que se valoriza um estilo de vida das elites, felicidade parece que é se assemelhar a este estilo de vida, padrão de comportamento, estética corporal. A nossa felicidade é sempre amanhã, nossa satisfação é construída para ser amanhã. Para a criança, quando ganhar tal brinquedo; para o trabalhador, quando "subir na vida"; para a jovem, quando fizer aquela viagem; para a mãe, quando comprar uma tv; para uns, quando se  formar; para outros, quando fumar um...E para as mulheres em geral ainda tem: "quando tiver o corpo daquela atriz" ou "quando casar". 
Só as elites podem estar satisfeitas...nós permanecemos num estado de não-satisfação insuperável no capitalismo, porque vivemos num sistema onde poucos tem a possibilidade de concretizar o que desejam , atingir um determinado status social ou atender a padrões de comportamento ou estético...e a cada dia surge, ou é fixado em nós, um novo desejo, um novo modelo, um novo produto, uma nova ferramenta... algo novo acontecendo. 
Estamos cada vez mais ansiosos e não-satisfeitos. Muitas pessoas dão vazão a suas frustrações montando uma vida feliz virtual, fumando, bebendo, usando remédios para dormir, enfim, tentando escapar da sua realidade e, assim, o sistema capitalista nos tem "no ponto": o consumidor perfeito.
E o que acontece com o que podemos ser e fazer hoje em busca de nossa liberdade de reinventar a felicidade?

Emma Goldman: "Quanto à grande massa de mulheres e meninas trabalhadoras, quanta independência pode ser conquistada se a estreiteza e a falta de liberdade do lar é trocada pela estreiteza da fábrica, da oficina, da loja ou do escritório?"

Trabalho, falta de liberdade e infância:


As horas intensas de trabalho estão nos forçando a nos afastar fisicamente das pessoas amigas e ainda nos retira da interação com nossas crianças, e as próprias estão cada vez mais cedo se relacionando só virtualmente. Estamos ensinando as crianças a não interagirem? Minha irmãs e primas vivem no computador, elas são de realidades (classes) sociais diferentes. Elas não brincam entre si. Cada uma joga em seu celular. Estamos ensinando as crianças a terem relações superficiais e virtuais?
A nossa falta de liberdade influencia no comportamento das próximas gerações. As crianças passam mais tempo sob o controle fabril das escolas e dos publicitários das TVs e PCs que enjaulam a liberdade e a felicidade sob o conhecimento mecânico e o consumo compulsório.

Sem liberdade:


Exploração do trabalho só cresce, e a cada dia que passa as leis estão mais duras com relação à liberdade de se manifestar. A criminalização dos movimentos sociais. Os sindicatos não nos dão espaço para construir a luta por dentro. Muitas feministas estão mais interessadas em colocar representantes mulheres nas instâncias de poder que verdadeiramente colocar pressão para que todo mundo que quiser, em conjunto, possa propor e decidir os rumos de uma organização. Vocês sabem, depois que vemos e sentimos como as coisas vão, tomamos nossa cerveja, postamos as fotos e no máximo compartilhamos um protesto que aconteceu aqui ou ali.

Será que estamos entrando a cada dia mais no jogo dos mega-empresários, consumindo o mundo inteiro, nos distraindo de nossa organização para superar opressões e trabalho explorado, nos perdendo neste mundo vazio de padrões de comportamentos?


O que podemos fazer? O que podemos fazer juntas? Ainda é possível pensar numa organização autônoma e criativa atuante na vida real?

Não quero a liberdade que é permitida, quero tomar aquilo que é negado. Isso para mim é liberdade.






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* Acredito que se você está afim de compartilhar suas ondas na internet, compartilhe mesmo, a regra é a mesma para o como viver, quem gostar bem, e quem não gostar, e daí? Mas toda (auto)reflexão vale.